Uma carta de amor à melhor carta de amor da cultura pop: Scott Pilgrim
Acho que meu primeiro contato com o universo de Scott Pilgrim foi assistindo uma sketch no programa da MAD no Cartoon Network. Snott (de ranho, mesmo) Pilgrim começava a namorar a Branca de Neve, e então ele tinha que lutar contra os sete anões para conquistá-la. Era um absurdo, mas um absurdo que eu curti bastante.
Na semana seguinte eu assisti o filme na Netflix, na companhia da minha melhor amiga. Eu tinha 12 anos e não entendi muito bem o que vi, mas uma coisa eu entendi desde a cena de abertura: aquilo era da hora! Rock n’ roll cheio de fuzz, cenas de ação ridiculamente absurdas, várias referências a videogames e o Capitão América de skatista malvado. Nem preciso dizer que nós dois piramos naquela madrugada.
Agora a gente corta a cena de um jeito tipicamente Edgar Wright (diretor do filme) para mostrar o Eduardo de 17 anos, algumas centenas de gibis e álbuns de indie rock depois. Enquanto esse filme ganhava um cult following cada vez maior, eu esqueci da história por um tempo, me apaixonando por muitas outras. Aí, quando fui reler e reassistir Scott Pilgrim, uma lâmpada cartunesca se acendeu em cima da minha cabeça. “Era disso que eles estavam falando!”
As inúmeras referências aos gibis dos X-Men, a estética de mangá, a cultura indie rock dos anos 2000 em todo canto que você olhar, tudo isso fazia muito sentido pra mim agora. Stephen Stills e Young Neil já me levavam a pensar nos clássicos homônimos do folk rock, já tinha jogado bastante Street Fighter para perceber os golpes emprestados e já sabia o suficiente de música para pirar em um filme com trilha sonora feita pelo Nigel Godrich (produtor do Radiohead), Broken Social Scene (heróis do indie canadense) e Beck (herói de tudo que ele se propuser a fazer).
Eu e Scott Pilgrim estávamos em sintonia, falávamos a mesma língua. E isso só aumentou no ano passado, quando morei numa cidade próxima a Toronto (onde se passa o épico) por 5 meses. Os maneirismos canadenses, as paisagens, a Sonic Boom (!!!), o Pizza Pizza, a Toronto Reference Library, a Casa Loma e tantos outros lugares carregam uma energia especial, uma atmosfera que só acrescenta à mágica da história. Lá eu também comprei as graphic novels e passei tardes lendo e relendo na minha cama de dormitório.
Todas as referências à cultura pop e ao Canadá nunca se fazem mais importantes que a história, como em tantas outras obras que tentam homenagear seus objetos de inspiração (olhando pra você, Jogador N. 1). Todos esses detalhes servem para enriquecer um universo que por si só já é rico demais. A premissa dos sete ex-namorados malvados e da luta necessária para fazer um relacionamento vingar une todas as partes desse quebra-cabeça, desde as mecânicas de videogame inseridas na vida real até os relacionamentos extremamente humanos que aparecem na graphic novel.
Outra parte brilhante da composição da história é o humor. As piadas vêm de situações absurdas (diabinhas hipsters te atacando com bolas de fogo) ou, mais constantemente, de inúmeros diálogos genuinamente engraçados, como crises existenciais engatilhadas pelo simples (mas temido) fato de que pão pode deixar alguém gordo.
O humor e as referências aparecem, na maioria dos casos, visualmente. Os fundos dos quadrinhos são cheios de pôsteres da Neko Case e situações malucas, e isso brilha muito especificamente no filme. O trabalho primoroso de produção e direção te coloca dentro de um universo que anda no muro entre o verossímil e o insano.
Mas talvez a diferença mais importante entre o Dudu de 12 e o de 17 no apreciamento dessa obra é que o primeiro adorava o Scott Pilgrim; o segundo, nem tanto. O Scott é, em inúmeras ocasiões, um babaca. Ele namora duas garotas ao mesmo tempo e não trata bem nenhuma delas, ele vive de favor dos amigos, ele nunca cria vergonha na cara e arranja um emprego e ele nunca demonstra interesse em amadurecer e realmente completar a transição para a vida adulta, apesar de ter 23 anos.
Quando percebi isso, outra lâmpada cartunesca se acendeu: eu não quero ser o Scott Pilgrim. Sim, no fim da história ele completa o arco do amadurecimento e consegue deixar de ser um escroto, mas ele precisou esperar até os 23 para isso rolar! E aí vem, para mim, a melhor parte de toda essa história: viver uma vida que gira em torno de você é coisa de adolescente. Adulto mesmo é quem entende que suas ações impactam muita gente ao redor.
O Scott só vira adulto quando percebe que os namoros não são só sobre ele, que seus pais e amigos não deveriam estar pagando tudo para ele aos 23 anos e que, se ele continuar se esquecendo dos próprios erros, engavetando-os no fundo do cérebro, vai acabar repetindo tudo de ruim.
Espero perceber isso antes.